A crescente globalização e as facilidades de comunicação têm, cada vez mais, conectado pessoas e mercados além das fronteiras nacionais.
Oportunidades de trabalho no exterior tornam-se mais frequentes, despertando o interesse de muitos brasileiros em busca de novas experiências e desafios profissionais.
No entanto, essa experiência internacional traz consigo uma série de dúvidas, especialmente no que diz respeito à legislação aplicável à relação trabalhista.
Afinal, ao trabalhar em outro país, qual ordenamento jurídico protege o trabalhador brasileiro? As leis nacionais acompanham o cidadão para além do território nacional?
Neste artigo, vamos explorar as complexidades da legislação trabalhista em cenários internacionais, abordando os direitos e deveres de empregados e empregadores nesse contexto.
Aumento no número de brasileiros que trabalham para exterior
Mesmo com a retomada do trabalho presencial em diversas áreas após o período de isolamento social da pandemia, o mercado de trabalho brasileiro vive uma nova realidade: a crescente busca por empregos remotos em empresas estrangeiras.
Não se trata mais apenas de plataformas online que conectam freelancers a trabalhos pontuais, mas sim de uma mudança estrutural na forma como os brasileiros se inserem no mercado global.
O Relatório Global de Contratações Internacionais da Deel, empresa especializada em gestão de pessoas e folha de pagamento, revela dados significativos sobre essa tendência.
De acordo com o estudo, a contratação de brasileiros por empresas internacionais deu um salto de 46% no último ano, impulsionando o Brasil à quinta posição no ranking global de países com maior número de profissionais atuando para empresas estrangeiras.
Essa nova configuração do mercado de trabalho levanta questões importantes sobre a dinâmica entre mão de obra qualificada e oportunidades em um mundo cada vez mais globalizado.
Enquanto alguns comparam esse movimento à “fuga de cérebros“, conceito tradicionalmente associado à migração de profissionais qualificados para outros países em busca de melhores condições, o cenário atual apresenta uma perspectiva diferente.
Os profissionais, em sua maioria, optam por permanecer em solo brasileiro, mantendo suas raízes e contribuindo para a economia local.
Recebendo em moeda estrangeira, muitas vezes mais valorizada que a moeda nacional, esses trabalhadores injetam recursos na economia local, impactando positivamente diversos setores.
Essa injeção de capital estrangeiro, aliada à permanência dos profissionais em território nacional, tem sido analisada por especialistas como Cássio Calvete, professor da Faculdade de Ciências Econômicas da UFRGS, como uma espécie de “exportação de serviços“, e não uma fuga de cérebros.
Para ele, a permanência desses profissionais no Brasil traz consigo uma série de benefícios, como a transmissão de conhecimento, participação em entidades e contribuição para o desenvolvimento do país.
Por que tantos brasileiros desejam trabalhar no exterior?
A resposta para essa pergunta, que parece complexa à primeira vista, reside em uma combinação de fatores atrativos, impulsionados pelas características do mercado globalizado e pelas demandas da força de trabalho moderna.
De acordo com pesquisas recentes, o Brasil destaca-se entre os países com maior número de novos contratos firmados com empresas estrangeiras em 2023.
Um dos principais atrativos é a diferença cambial, que se traduz em salários significativamente mais altos para profissionais que atuam para empresas sediadas em países com moedas mais valorizadas.
Em média, os salários oferecidos por essas empresas chegam a ser 75% mais altos do que os praticados no mercado brasileiro para cargos similares, um diferencial e tanto em um cenário de instabilidade econômica.
Trabalhadores internacionais apontam, no entanto, que a busca por melhores salários não é o único fator que impulsiona a procura por oportunidades além das fronteiras nacionais.
A busca por flexibilidade, ausência de rotinas rígidas e possibilidade de trabalhar remotamente figuram como elementos decisivos na hora da escolha.
A pandemia, que acelerou a adoção do trabalho remoto em diversas áreas, consolidou um modelo desejado por muitos profissionais, especialmente aqueles que buscam conciliar vida pessoal e carreira de forma mais equilibrada.
A flexibilidade de horários, a possibilidade de trabalhar de qualquer lugar do mundo e a eliminação do tempo perdido com trajeto são apontados como fatores decisivos para a busca por oportunidades em empresas estrangeiras.
Outro aspecto relevante é a busca por crescimento profissional e acesso a novas tecnologias. Muitos profissionais enxergam nas empresas estrangeiras a oportunidade de trabalhar com projetos inovadores e tecnologias de ponta, além de terem acesso a programas de treinamento e desenvolvimento profissional mais robustos.
Essa busca por aprimoramento e contato com diferentes culturas e metodologias de trabalho torna o mercado internacional ainda mais atrativo para profissionais qualificados que buscam impulsionar suas carreiras.
Trabalho no exterior deve seguir legislação brasileira?
Agora, chegamos ao ponto central de nosso guia: afinal de contas, o trabalho no exterior deve seguir a legislação brasileira? Ou será que as empresas que contratam brasileiros podem se basear nas leis de seus países de origem?
Trata-se de uma pergunta crucial para os milhares de brasileiros que atuam em empresas internacionais, e a resposta, como em muitos casos no Direito do Trabalho, não é simples.
A legislação trabalhista brasileira, pautada no princípio da proteção ao trabalhador, prevê a aplicação da lei mais favorável em situações que envolvam trabalho em território estrangeiro.
Em outras palavras, mesmo atuando no exterior, o empregado brasileiro poderá ter seus direitos assegurados pela lei nacional caso esta seja mais vantajosa do que a legislação do país onde o trabalho é realizado.
Um caso emblemático julgado pela 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2) ilustra bem a aplicação desse princípio.
Um DJ brasileiro, contratado no Brasil para trabalhar em um navio de cruzeiro com trajeto por águas nacionais e internacionais, teve seus direitos trabalhistas reconhecidos pela justiça brasileira.
Embora as empresas envolvidas argumentassem que a legislação aplicável seria a do Panamá ou de Malta, países de registro da embarcação, o TRT-2 considerou válida a aplicação da lei brasileira, uma vez que todas as etapas pré-contratuais, incluindo recrutamento, seleção e exames médicos, ocorreram em território nacional.
Em termos mais práticos, quando o trabalhador é contratado no Brasil, mas exerce seu trabalho no exterior, o contrato continua sujeito à legislação brasileira, desde que essa seja mais vantajosa do que a do país onde o serviço será realizado na prática.
O caso demonstra a importância de analisar minuciosamente as especificidades de cada situação. Fatores como o local da contratação, a nacionalidade do empregador, o local onde o trabalho é efetivamente prestado e as leis de cada país envolvido devem ser considerados para determinar qual legislação será aplicada.
A complexidade dessas relações trabalhistas reforça a importância de buscar orientação jurídica especializada para garantir que os direitos de trabalhadores e empregadores sejam respeitados em conformidade com a lei.
Entenda a decisão do TRT sobre trabalho no exterior
A decisão do TRT-2 no caso do DJ em navio de cruzeiro reforça um importante precedente para trabalhadores brasileiros contratados no Brasil para atuarem no exterior.
A jurisprudência nesse sentido se consolida com base na Lei 7.064/82, que garante a aplicação da legislação brasileira sempre que esta for mais favorável ao trabalhador, mesmo em situações de trabalho fora do território nacional.
Para fundamentar sua decisão, a juíza-relatora do acórdão, Magda Cardoso Mateus Silva, citou jurisprudências do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e do próprio TRT-2, demonstrando a tendência em se priorizar a proteção ao trabalhador brasileiro.
A magistrada baseou-se na “Teoria do Centro de Gravidade” e no “Princípio da Norma Mais Favorável”, importantes pilares do Direito Internacional Privado na área trabalhista.
Em linhas gerais, a “Teoria do Centro de Gravidade” busca identificar qual a legislação que possui o vínculo mais forte com a relação trabalhista em questão.
No caso em análise, embora o trabalho fosse realizado em alto mar, o fato de o contrato ter sido firmado no Brasil, assim como todas as etapas que o antecederam, configurou um forte vínculo com a legislação brasileira.
Já o “Princípio da Norma Mais Favorável” atua como um mecanismo de proteção ao trabalhador, garantindo que, em caso de conflito de leis, seja aplicada aquela que lhe conferir maiores vantagens e garantias.
Nesse sentido, a decisão do TRT-2 reforça a jurisprudência e estabelece um importante precedente para a proteção de trabalhadores brasileiros que atuam no exterior sob contratos firmados em território nacional.
Quais são as vantagens de trabalhar no exterior?
Trabalhar no exterior pode ser uma experiência enriquecedora tanto do ponto de vista profissional quanto pessoal, abrindo um leque de oportunidades e aprendizados.
As vantagens vão muito além do salário em moeda estrangeira, embora este seja, sem dúvida, um atrativo importante.
Confira, a seguir, alguns dos principais benefícios de se aventurar pelo mercado de trabalho internacional:
Remuneração atrativa e valorização profissional:
- A possibilidade de receber em moedas mais valorizadas, como dólar ou euro, é um dos principais atrativos para quem busca oportunidades no exterior.
- Essa diferença cambial pode representar um aumento significativo no poder de compra, permitindo uma melhor qualidade de vida, investimentos e realização de projetos pessoais.
- Além disso, a experiência internacional agrega valor ao currículo, tornando o profissional mais competitivo no mercado global.
Imersão cultural e desenvolvimento pessoal:
- Viver em um país diferente proporciona uma verdadeira imersão em outra cultura, com costumes, idiomas e perspectivas completamente novas.
- Essa experiência enriquece a visão de mundo, promove a flexibilidade, a adaptabilidade e o desenvolvimento de habilidades como a comunicação intercultural.
- Aprender um novo idioma, experimentar gastronomia diferente, conhecer novos lugares e interagir com pessoas de diferentes nacionalidades são experiências transformadoras que contribuem para o crescimento pessoal e profissional.
Expansão da rede de contatos:
- Trabalhar em um ambiente multicultural permite estabelecer contato com profissionais de diferentes partes do mundo, expandindo a rede de contatos e abrindo portas para futuras oportunidades.
- Essa rede de relacionamentos pode ser valiosa para o desenvolvimento da carreira, proporcionando acesso a novas ideias, parcerias e colaborações em projetos inovadores.
Acesso a novas tecnologias e metodologias:
- Empresas estrangeiras, muitas vezes, estão na vanguarda da inovação em diversas áreas, o que significa que os profissionais têm a oportunidade de trabalhar com tecnologias de ponta e metodologias avançadas.
- A experiência prática com ferramentas e processos inovadores é um diferencial competitivo no mercado de trabalho, além de contribuir para o aprimoramento das habilidades e conhecimentos do profissional.
Oportunidades de desenvolvimento profissional:
- Muitas empresas estrangeiras investem fortemente em programas de treinamento e desenvolvimento para seus funcionários, proporcionando acesso a cursos, certificações e outras formas de qualificação.
- A cultura de valorização do conhecimento e aprimoramento contínuo permite que os profissionais se mantenham atualizados às demandas do mercado e expandam suas habilidades de forma constante.
Qualidade de vida:
- Dependendo do país de destino, a qualidade de vida pode ser um fator decisivo.
- Muitos países oferecem serviços públicos de excelência, como saúde, educação e transporte, além de maior segurança e respeito aos direitos humanos.
- Esses fatores, combinados a um ambiente de trabalho mais saudável e equilibrado, podem contribuir para uma rotina mais leve e satisfatória.
Flexibilidade e autonomia:
- A cultura de trabalho em outros países pode ser mais flexível em relação a horários, local de trabalho e autonomia nas tomadas de decisão.
- A flexibilidade permite que o profissional tenha mais liberdade para conciliar a vida pessoal com a profissional, o que pode contribuir para o aumento da produtividade e satisfação no trabalho.
Aventura e novas experiências:
- Trabalhar no exterior é, sem dúvida, uma grande aventura, que proporciona experiências únicas e memoráveis.
- Conhecer novas culturas, fazer amigos de diferentes nacionalidades e explorar destinos incríveis são apenas algumas das possibilidades que se abrem ao se aventurar pelo mundo.
É importante ressaltar que a decisão de trabalhar no exterior deve ser planejada e ponderada, considerando os desafios e adaptações que a mudança implica.
No entanto, as vantagens e oportunidades de crescimento que essa experiência oferece podem ser transformadoras tanto para a vida profissional quanto pessoal.
Quais são as desvantagens de trabalhar no exterior?
Embora trabalhar no exterior seja uma experiência enriquecedora e repleta de benefícios, é importante ter em mente que a aventura também apresenta seus desafios.
A decisão de mudar para outro país a trabalho exige adaptação a uma nova cultura, distância de familiares e amigos, além de questões práticas que precisam ser consideradas.
Para te ajudar nesse processo de decisão, listamos algumas das possíveis desvantagens de trabalhar no exterior:
Saudade da família e amigos:
- A distância da família e amigos é, sem dúvida, um dos maiores desafios para quem decide trabalhar no exterior.
- A saudade e a falta de contato próximo com as pessoas queridas podem ser difíceis de lidar, especialmente em momentos desafiadores.
- Manter contato constante por videochamadas, programar visitas e cultivar amizades com pessoas que também estão longe de casa podem amenizar a saudade, mas a adaptação a essa nova realidade leva tempo.
Barreiras linguísticas e culturais:
- A comunicação em um idioma estrangeiro, mesmo que você domine o básico, pode ser um obstáculo no dia a dia, tanto no ambiente de trabalho quanto em situações cotidianas.
- As diferenças culturais, como costumes, hábitos e comportamentos, também exigem adaptação e podem gerar mal entendidos.
- É fundamental ter paciência, disposição para aprender a língua local e abertura para lidar com a diversidade cultural.
Adaptação a um novo estilo de vida:
- Mudar para um novo país implica em adaptar-se a um novo estilo de vida, com costumes, culinária, clima e ritmo diferentes.
- O que antes era familiar, como ir ao supermercado, usar o transporte público ou encontrar um lugar para morar, pode se tornar um desafio.
- Essa adaptação exige flexibilidade, paciência e disposição para sair da zona de conforto.
Burocracia e documentação:
- Lidar com a burocracia e documentação em um país estrangeiro pode ser um processo complexo e demorado.
- Vistos, autorizações de trabalho, abertura de conta bancária, seguro saúde e outros trâmites exigem planejamento e organização.
- É importante buscar informações precisas junto aos órgãos competentes para evitar problemas futuros.
Choque cultural e solidão:
- A experiência de viver em uma cultura diferente pode ser marcante e enriquecedora, mas também pode gerar choque cultural.
- As diferenças nos costumes, valores e comportamentos podem causar estranhamento, frustração e, em alguns casos, até mesmo isolamento.
- Construir uma rede de apoio com pessoas que compartilham da mesma cultura ou que já passaram por experiências semelhantes pode ajudar a superar os desafios do choque cultural.
Dificuldade em encontrar moradia:
- Em algumas cidades, encontrar um lugar para morar pode ser um desafio, especialmente em áreas centrais e próximas aos grandes centros comerciais.
- Aluguéis altos, exigência de fiadores ou depósitos cautelares e concorrência acirrada são alguns dos obstáculos que o profissional pode enfrentar.
- É importante iniciar a busca por moradia com antecedência e considerar diferentes opções, como compartilhamento de apartamento ou moradia em bairros mais afastados.
Custos de vida:
- O custo de vida em alguns países pode ser significativamente mais alto do que no Brasil, especialmente em grandes cidades.
- Alimentação, moradia, transporte, saúde e lazer podem impactar o orçamento, mesmo com um salário em moeda estrangeira.
- Vale a pena pesquisar os custos de vida no local de destino e planejar as finanças de forma realista, considerando também os gastos com viagem, visto, seguro saúde e outros imprevistos.
Planos a longo prazo:
- Construir uma carreira e uma vida em outro país exige planejamento a longo prazo.
- Questões como visto de trabalho, renovação de contrato, possibilidade de crescimento profissional na empresa e, eventualmente, obtenção de cidadania devem ser consideradas.
- A incerteza em relação ao futuro pode gerar ansiedade e dificultar a tomada de decisões importantes.
As desvantagens de trabalhar no exterior variam de acordo com o perfil de cada pessoa, o país de destino, a cultura local e as condições de trabalho oferecidas.
Uma pesquisa detalhada, planejamento adequado e uma dose de flexibilidade e adaptação são essenciais para superar os desafios e aproveitar ao máximo essa experiência enriquecedora.
FAQ
A legislação trabalhista brasileira se aplica a brasileiros que trabalham no exterior?
Sim, a lei brasileira pode ser aplicada a brasileiros que trabalham no exterior em contratos firmados no Brasil, especialmente quando esta é mais favorável ao trabalhador do que a legislação do país onde o trabalho é realizado.
O que aconteceu no caso do DJ brasileiro que trabalhava em um navio de cruzeiro internacional?
O TRT-2 reconheceu a aplicação da lei brasileira no caso, pois o contrato de trabalho havia sido firmado no Brasil, garantindo ao DJ seus direitos trabalhistas de acordo com a legislação nacional.
Quais fatores influenciam na determinação da legislação aplicável a um contrato de trabalho internacional?
O local de contratação, nacionalidade do empregador, local de trabalho e as leis de cada país envolvido são fatores considerados para definir qual legislação será aplicada.
Quais as principais vantagens de se trabalhar no exterior?
Salário em moeda estrangeira, imersão cultural, desenvolvimento profissional, expansão da rede de contatos, acesso à novas tecnologias e oportunidades de crescimento pessoal.
Quais as principais desvantagens de se trabalhar no exterior?
Distância de familiares e amigos, barreiras culturais e linguísticas, adaptação a um novo estilo de vida, burocracia, choque cultural, custos de vida e incertezas em relação ao futuro.