No universo empresarial brasileiro, a expressão recuperação judicial tem se tornado cada vez mais frequente, refletindo os desafios financeiros enfrentados por diversas empresas, independentemente de seu porte ou renome.
Entre 2023 e 2024, um número significativo de empresas conhecidas no país se viu obrigado a recorrer a esse mecanismo legal como uma tentativa de contornar dificuldades financeiras e assegurar sua continuidade no mercado.
Diante desse cenário, compreender o que é, como funciona e como solicitar a recuperação judicial torna-se não apenas relevante, mas crucial para empresários e gestores que buscam preservar seus negócios em momentos de crise.
Com isso em mente, confira no artigo abaixo tudo que você precisa saber sobre essa importante ferramenta judicial. Vamos explorar o que significa esse conceito, qual é a diferença entre recuperação judicial e falência, casos famosos de recuperação judicial, e como as empresas podem entrar com o pedido.
O que é recuperação judicial?
Na perspectiva da legislação brasileira, a recuperação judicial é um instrumento jurídico previsto na Lei nº 11.101/2005, conhecida como Lei de Recuperação e Falências.
Essa lei foi criada com o objetivo de proporcionar às empresas em dificuldades financeiras uma oportunidade de reorganização e reestruturação de suas atividades, com o intuito de evitar a falência e promover a manutenção de empregos e o estímulo à atividade econômica.
Em termos mais práticos, a recuperação judicial é um processo pelo qual uma empresa que está enfrentando dificuldades financeiras consideráveis busca a proteção do Poder Judiciário para negociar e renegociar suas dívidas com credores.
Durante o processo de recuperação judicial, a empresa continua suas operações sob a supervisão de um administrador judicial, enquanto desenvolve um plano de reestruturação que visa sanar suas finanças e garantir sua viabilidade econômica a longo prazo.
Essa ferramenta legal oferece à empresa devedora um período de carência para pagamento de suas dívidas, bem como a possibilidade de propor um plano de pagamento aos credores, que pode incluir descontos, prazos estendidos e outras condições especiais.
O objetivo é permitir que a empresa se recupere financeiramente, preservando sua atividade econômica e seus empregos, ao mesmo tempo em que busca equacionar suas obrigações financeiras de maneira viável e sustentável.
Recuperação judicial e falência é a mesma coisa?
No contexto da legislação brasileira, recuperação judicial e falência são dois conceitos distintos, embora ambos estejam relacionados a situações de crise financeira enfrentadas por empresas. É importante entender as diferenças entre esses dois institutos:
Recuperação Judicial
A recuperação judicial é um procedimento legal previsto na Lei de Recuperação e Falências (Lei nº 11.101/2005) que visa à reorganização econômica e financeira de uma empresa em dificuldades.
Durante o processo de recuperação judicial, como citamos anteriormente, a empresa continua suas operações sob a supervisão de um administrador judicial nomeado pelo juízo competente.
O objetivo principal da recuperação judicial é permitir que a empresa proponha um plano de pagamento de suas dívidas aos credores e promova a reestruturação de suas atividades, visando à sua continuidade e sustentabilidade no mercado.
A recuperação judicial oferece à empresa devedora um prazo para negociar com seus credores, podendo propor condições especiais de pagamento, como descontos, prazos estendidos e outras medidas para equacionar suas dívidas.
Falência
A falência é um processo legal que ocorre quando uma empresa não consegue se recuperar financeiramente e não consegue cumprir suas obrigações perante os credores.
Ao contrário da recuperação judicial, onde há uma tentativa de reorganização e reestruturação da empresa, a falência representa o encerramento definitivo das atividades da empresa devedora.
Durante o processo de falência, os ativos da empresa são liquidados e os recursos obtidos com a venda são utilizados para pagar os credores de acordo com a ordem de preferência estabelecida na legislação.
Portanto, enquanto a recuperação judicial busca preservar a empresa e promover sua reestruturação financeira, a falência representa o encerramento das atividades empresariais e a liquidação dos ativos para pagamento dos credores.
Quem pode pedir recuperação judicial?
A recuperação judicial, como citamos anteriormente, é um recurso legal estabelecido pela Lei 11.101/2005, com mais regras definidas pela Lei 14.112/2020. Tal recurso é destinado a empresas em situação de crise financeira que buscam reorganizar suas atividades e reestruturar suas dívidas.
De acordo com a legislação brasileira, somente a empresa devedora tem o direito de requerer a recuperação judicial. No entanto, há uma ressalva para produtores rurais que atuam como pessoas físicas, os quais também podem solicitar esse processo.
Por outro lado, a lei veda a recuperação judicial para determinadas entidades, tais como empresas públicas, sociedades de economia mista, instituições financeiras públicas ou privadas, entidades de previdência complementar, seguradoras, planos de saúde, cooperativas de crédito, consórcios e sociedades de capitalização e equiparadas.
Além disso, para ser elegível à recuperação judicial, a empresa deve preencher uma série de critérios estabelecidos pela legislação:
- Estar ativa e registrada na junta comercial por, no mínimo, dois anos.
- Não ter ingressado com outro processo de recuperação judicial nos últimos cinco anos.
- Não ter obtido concessão de plano especial de recuperação judicial nos últimos oito anos.
Caso tenha sido falida anteriormente, a falência decretada deve ter sido declarada extinta por sentença transitada em julgado, ou seja, não pode haver nenhuma responsabilidade remanescente de processos anteriores de falência.
Por fim, a empresa não pode ter sido condenada, nem ter como sócio ou controlador pessoa condenada por qualquer crime previsto na lei falimentar.
Esses critérios visam garantir a idoneidade do processo de recuperação judicial e proteger os interesses dos credores e demais partes envolvidas. Assim, apenas empresas que atendam a esses requisitos podem solicitar a recuperação judicial perante o Poder Judiciário.
Como funciona a recuperação judicial?
Após atender aos requisitos legais estabelecidos para a recuperação judicial, a empresa deve iniciar o processo formalizando um pedido junto ao Poder Judiciário. Esse pedido deve ser elaborado em um documento que contemple informações cruciais para o entendimento da situação financeira da empresa e suas perspectivas de reestruturação.
Dentre os elementos obrigatórios desse documento estão os motivos que levaram à crise financeira enfrentada pela empresa, incluindo uma análise detalhada dos fatores que contribuíram para esse cenário.
Além disso, é necessário apresentar as demonstrações contábeis dos últimos três anos, no mínimo, proporcionando uma visão ampla e clara da saúde financeira da empresa ao longo desse período.
Outro aspecto fundamental é o detalhamento de todas as dívidas em aberto, bem como a relação patrimonial dos sócios da empresa, proporcionando transparência e clareza sobre as obrigações e recursos disponíveis.
Após a apresentação do pedido, o juiz responsável pelo caso avaliará sua admissibilidade e, se aceito, estabelecerá um prazo de 180 dias para a suspensão das obrigações de pagamento da empresa.
Durante esse período, um administrador judicial será nomeado pelo juiz para auxiliar no processo de recuperação. Esse profissional desempenha um papel crucial, garantindo os interesses dos credores e trabalhando pela preservação e reestruturação da empresa.
A partir do momento da nomeação do administrador judicial, os sócios da empresa podem continuar na gestão do negócio, porém sob supervisão e prestando contas periodicamente de seus atos ao administrador.
60 dias após o início do processo, a empresa deve apresentar um plano detalhado de recuperação, incluindo uma proposta de pagamento das dívidas e todas as medidas que pretende adotar para sua efetivação. O plano precisa ser aprovado pela maioria simples dos credores em assembleia, garantindo sua viabilidade e aceitação.
Com a aprovação do plano, inicia-se a fase de execução do processo, onde a empresa deve cumprir rigorosamente as determinações estabelecidas. O não cumprimento dessas obrigações pode resultar na conversão da recuperação judicial em falência.
Se todos os passos forem seguidos conforme o planejado, a empresa tem a oportunidade de se reorganizar e seguir em frente, muitas vezes emergindo da crise financeira de forma mais robusta e eficiente do que antes.
Como solicitar recuperação judicial: Passo a passo
Para solicitar a recuperação judicial, a empresa devedora precisa seguir um processo formal que deve ser conduzido por um advogado. Abaixo, vamos mostrar o passo a passo completo e atualizado, de acordo com as disposições da Lei de Recuperação e Falências e de sua complementação em 2020.
- Representação por advogado: A empresa deve contratar um advogado habilitado para representá-la no processo de recuperação judicial. É fundamental que o advogado tenha conhecimento especializado nessa área do direito empresarial.
- Elaboração do pedido em juízo: Com o auxílio do advogado, a empresa deve formalizar o pedido de recuperação judicial perante o juízo competente. Esse pedido deve conter uma exposição detalhada dos motivos que levaram à crise financeira da empresa, além de ser instruído com os documentos necessários.
- Documentação necessária: O pedido de recuperação judicial deve ser instruído com uma série de documentos, incluindo as demonstrações contábeis da empresa, a relação de bens da empresa e dos sócios, extratos bancários, relação nominal dos credores e o plano de recuperação.
- Apresentação do plano de recuperação: O plano de recuperação é um elemento essencial do pedido de recuperação judicial. Esse plano deve conter propostas concretas e viáveis para a reestruturação financeira da empresa, incluindo medidas para o pagamento das dívidas e a continuidade das operações.
- Nomeação do administrador judicial: Caso o pedido de recuperação judicial seja aceito pelo juiz, um administrador judicial será nomeado para fiscalizar a empresa durante todo o processo e garantir o cumprimento do plano de recuperação. Esse profissional desempenha um papel crucial na condução do processo de recuperação.
- Fiscalização e cumprimento do plano: Ao longo do processo de recuperação judicial, a empresa será supervisionada pelo administrador judicial, que garantirá o cumprimento do plano de recuperação e acompanhará sua evolução. É fundamental que a empresa esteja comprometida em seguir as diretrizes estabelecidas no plano para garantir o sucesso do processo.
Portanto, o processo de solicitação da recuperação judicial envolve uma série de etapas que devem ser seguidas com cuidado e atenção, com o apoio de profissionais qualificados e o comprometimento da empresa em buscar sua reestruturação financeira de forma transparente e responsável.
Quanto tempo dura a recuperação judicial?
O processo de recuperação judicial, regulado pela Lei nº 11.101/2005, estabelece que uma vez deferida, a recuperação deve ser encerrada no prazo máximo de 2 (dois) anos, conforme estipulado pelo artigo nº 61 dessa legislação. No entanto, é importante ressaltar que na prática esse prazo pode ser estendido, mediante autorização judicial.
Embora a lei estabeleça um limite de tempo para a conclusão da recuperação judicial, diversos fatores podem influenciar na sua duração efetiva. A complexidade do caso, o tamanho da empresa, a quantidade de credores envolvidos, a eficiência na implementação do plano de recuperação e a agilidade do sistema judiciário são alguns dos elementos que podem impactar o tempo necessário para a conclusão do processo.
Assim, embora o prazo máximo estabelecido por lei seja de 2 anos, na prática a recuperação judicial pode durar mais tempo, dependendo das circunstâncias específicas de cada caso e da autorização judicial para prorrogação do prazo.
É fundamental que as partes envolvidas estejam cientes dessa possibilidade e estejam preparadas para enfrentar os desafios que possam surgir ao longo do processo.
Ordem de preferência para o pagamento de dívidas na recuperação judicial
No processo de recuperação judicial, o recebimento dos créditos segue uma ordem de prioridade estabelecida pela legislação, conforme disposto no artigo 83 da Lei de Recuperação Judicial.
Essa ordem de preferência determina como os valores serão distribuídos entre os credores da empresa devedora, e é crucial para garantir uma distribuição equitativa dos recursos disponíveis.
- Créditos Trabalhistas e de Acidentes de Trabalho: Os créditos trabalhistas, até o limite de 150 salários mínimos, têm prioridade máxima na ordem de recebimento. Isso inclui verbas como salários, férias, décimo terceiro salário e indenizações por acidentes de trabalho.
- Créditos com Garantia Real: Em seguida, na ordem de preferência, estão os créditos com garantia real, que são aqueles que possuem algum tipo de garantia em bens ou direitos da empresa devedora. Isso pode incluir, por exemplo, créditos garantidos por imóveis.
- Créditos Tributários: Os créditos tributários, exceto os considerados extraconcursais e as multas tributárias, ocupam o terceiro lugar na ordem de recebimento. Esses créditos são aqueles relacionados a impostos e taxas devidos pela empresa ao fisco.
- Demais Créditos: Por fim, os demais créditos, ou seja, aqueles que não se enquadram nas categorias anteriores, são pagos por último. Isso inclui fornecedores, instituições financeiras e outros credores que não possuem garantias especiais.
Essa ordem de prioridade visa garantir uma distribuição justa e equilibrada dos recursos disponíveis durante o processo de recuperação judicial, protegendo os interesses dos credores de forma organizada e transparente.
Como cobrar uma empresa em recuperação judicial?
Para cobrar uma empresa em recuperação judicial, é necessário seguir alguns passos específicos, considerando as particularidades desse processo legal.
Primeiramente, o credor deve garantir que seu crédito esteja devidamente incluído no plano de recuperação judicial aprovado e que o valor esteja correto.
Caso o crédito não conste no documento ou haja alguma divergência, é fundamental procurar o administrador judicial responsável pelo processo e solicitar a inclusão ou correção necessária.
Após essa verificação, o próximo passo é acompanhar atentamente o andamento do pedido de recuperação judicial, uma vez que todos os pagamentos da empresa aos credores serão realizados por meio do processo judicial.
É importante salientar que, devido ao caráter do processo de recuperação judicial, não é possível para um credor iniciar uma ação judicial de cobrança isoladamente contra a empresa em recuperação.
Caso o crédito do credor não esteja listado no processo de recuperação judicial, é necessário habilitá-lo na lista geral de credores para que possa receber da empresa devedora. Essa habilitação pode ocorrer de duas maneiras, dependendo do momento em que o pedido é feito: via administrativa ou via judicial.
Na via administrativa, o processo é mais simples e não requer a assistência de um advogado. O credor deve apresentar a solicitação diretamente ao administrador judicial em até 15 dias a partir da data de publicação do edital de recuperação judicial pela Justiça.
Esse edital contém informações relevantes, como a decisão do juiz que deferiu o processo, a lista completa dos credores e a identificação do administrador judicial.
Caso o credor não consiga habilitar seu crédito dentro do prazo estipulado, será necessário recorrer à via judicial, para a qual é imprescindível o auxílio de um advogado. Nesse caso, se houver alguma divergência quanto ao valor ou classificação apresentada na lista de credores, o credor pode ajuizar uma ação de impugnação de crédito para as devidas correções.
Casos famosos de recuperação judicial
Alguns casos famosos de empresas brasileiras que entraram com pedidos de recuperação judicial nos últimos anos incluem:
- Odebrecht: Uma das maiores empreiteiras do país, a Odebrecht entrou com pedido de recuperação judicial em junho de 2019, após enfrentar uma série de problemas financeiros relacionados a escândalos de corrupção e dívidas elevadas.
- Avianca Brasil: Em dezembro de 2018, a Avianca Brasil, uma das principais companhias aéreas do país, entrou com pedido de recuperação judicial devido a problemas financeiros e disputas com arrendadores de aeronaves.
- Livraria Cultura: Em 2018, a Livraria Cultura, uma das maiores redes de livrarias do Brasil, pediu recuperação judicial após enfrentar dificuldades financeiras causadas pela concorrência com o comércio online e dívidas acumuladas.
- Vasp: A Viação Aérea São Paulo (VASP), uma das mais antigas companhias aéreas do Brasil, entrou com pedido de recuperação judicial em 2005, após anos de dificuldades financeiras e problemas operacionais.
- Oi: Em 2016, a Oi, uma das principais empresas de telecomunicações do Brasil, entrou com o maior pedido de recuperação judicial da história do país, devido a uma dívida bilionária e disputas com credores.
- Americanas: A Americanas, com dívida de R$ 43 bilhões, entrou em recuperação judicial para proteger seu caixa e manter suas operações. Diferente de casos anteriores, como Odebrecht e Oi, a empresa enfrenta dificuldades extras devido à escassez de ativos para venda e a falta de sinalização dos sócios bilionários para aportes de capital.
Em última análise, a recuperação judicial representa uma possibilidade de renovação para empresas em dificuldades financeiras. Apesar dos desafios e incertezas, esse processo oferece uma oportunidade de reestruturação e continuidade, demonstrando a importância de medidas legais que visam promover a sustentabilidade empresarial em meio a crises econômicas.